domingo, 25 de maio de 2008

Para sempre Contigo...

livro em construção...
"Para além de uma história romântica, esta é a história da transformação de uma vida"
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Capítulo I


Dia de Inverno. Folhas amarelas esvoaçavam no céu formando desenhos mutáveis, e o vento forte abraçava as árvores nuas como amigas e confidentes fiéis. As ruas estavam desertas e ouvia-se o chilrear dos pássaros abrigados nas árvores, entre as poucas folhas que se conseguiram manter seus ramos.
Dentro do seu quarto descomunal, Lisa dormia descansada, embrulhada nos cobertores de lã e no edredão de penas de pato. Os seus cabelos castanhos despenteados espreitavam de entre os cobertores, e os seus olhos cor-de- mel escondiam-se debaixo das pálpebras rosadas. O seu peito elevava-se e descia à medida que respirava, enquanto Lisa sonhava com o dia em que encontrava o homem da sua vida. Foi precisamente na mais profunda parte do sonho que algo começou a emitir um ruído irritante. Era o despertador.
- Cala-te meu estúpido e deixa-me dormir!
O seu gato, Joka, acordou desnorteado com o grito e cambaleou para perto do despertador, dando-lhe uma patada. Como resposta, o despertador deu um duplo mortal no ar, caindo brutalmente no chão num golpe fatal.
- Não sabia que gostavas tanto de mim… Só te chamei estúpido e tu suicidaste-te. Que querido, não era preciso.
Acabada a frase, o relógio começou a dar sinais de vida, primeiro com uns ruídos trémulos e depois com o ruído irritante característico.
- Como proceder à reanimação de um relógio despertador: basta fazer-lhe um elogio parcial e voilá.

Lisa representava a típica mulher empresária: tinha uma magnifica casa à beira mar em Cascais, um excelente emprego na empresa de cosmética que lhe proporcionava um grande poder de influência na publicidade dos produtos, cinco assistentes que lhe traziam sumo de papaia sempre que lhes pedia, uma limusina preta do tamanho do mundo, um motorista disposto a cumprir o seu dever a todas as horas do dia, um personal trainer privado, … “Tudo o que uma pessoa de trinta anos necessita!” diziam as colegas. Este não era o pensamento que passava pela mente de Lisa todas as noites, quando se deitava na sua extravagante cama, apenas acompanhada pelo seu fiel gato.

Apesar de ser um gato comum, sem raça, Joka significava muito para Lisa. Ela tinha-o encontrado dentro de uma caixa de cartão, perto do caixote de lixo de sua casa, num dia chuvoso de Primavera em que Lisa já se encontrava atrasada para uma reunião muito importante pois o seu carro tinha avariado. Quando passou pelo caixote de lixo, ouviu um miar tímido e baixo. Movida pela curiosidade, Lisa abriu a caixa, e logo um gato branco e preto lhe saltou para a saia. Com todo o carinho, ela embrulhou-o na sua gabardine e voltou para casa.
“Uma reunião não vale a vida de um animal!” pensou.
Este tinha sido o único dia em que Lisa tinha mentido ao seu chefe, dizendo que se sentia febril, e mais importante, tinha sido o único dia em que tinha faltado ao trabalho. Por isto, Joka representava a verdadeira Lisa, aquela que era livre. Aquela que fazia aquilo que lhe apetecia. Aquela que ela já não era há bastante tempo.
Antigamente, quando era quinze anos mais nova, Lisa vivia cada momento como se não houvesse amanhã, como se tudo o que tinha de fazer não pudesse ser adiado. Ela andava constantemente de um lado para o outro cheia de pressa, mas sempre totalmente relaxada. Ninguém percebia como é que ela conseguia passar assim os seus dias sem apresentar sinais de fadiga.
“Quem corre por gosto não se cansa” costumava Lisa dizer. E gosto não lhe faltava. Não havia ninguém que lhe guardasse rancor ou que a 0diasse, ela era adorada por todos, ate mesmo pelos professores.
Apesar disto, Lisa não tivera muitos namorados. Todos os rapazes a viam como uma grande amiga e nada mais. Mas isto não fazia abrandar o coração da Lisa de quinze anos. Ela estava apaixonada por um rapaz da sua escola, o Alexandre Pais. Eles já se conheciam desde os quatro anos e, nessa altura, era Alex que estava apaixonado por Lisa, mas como ela estava mais interessada nas suas bonecas, ele acabou por desistir. O mesmo aconteceu com Lisa quando Alex lhe contou que tinha encontrado “a rapariga dos seus sonhos”, e que essa rapariga se chamava Raquel. Alex nunca soube que Lisa o amava, e esta nunca soube que ele sentia o mesmo por ela. A única que se apercebia disto era Nádia, a melhor amiga de Lisa na altura.
Nádia costumava ir regularmente a casa de Lisa para tentar persuadir a sua amiga a “lutar pelo homem que amas”, ou apenas para falarem sobre os novos mexericos da turma.
- Sabias que a Maria disse ao Luís que ia destruir o namoro dele com a Margarida para ficar com ele?
- A serio?! Grande lata! Quer dizer…! Ela é que o trai com o rapaz da festa e depois…
- …ainda ameaça estragar o namoro dos outros. Eu sei, mete raiva!
Eram capazes de ficar cinco horas fechadas dentro do quarto a acabar as frases uma da outra. Apenas saíam quando o stock de bolachas, ou pipocas, e de sumos de pacote começava a findar.
Esta era a amizade perfeita, que todas as pessoas invejavam. Porem, no fim do secundário Lisa e Nádia zangaram-se e nunca mais voltaram a falar. A discussão tinha começado por uma coisa insignificante: alguém tinha inventado um boato sobre Lisa, dizendo que ela andava a roubar coisas de uma loja. Apesar de ninguém ter acreditado, Nádia decidiu ir até à loja perguntar se era verdade. Quando Lisa soube disto, ficou extremamente ofendida e irritada. A disputa começou com os gritos de Lisa e acabou com o estrondo da porta da casa de banho a fechar-se.
Lisa foi gradualmente perdendo o contacto de todos os seus amigos, o que fez com que ficasse só no mundo. Nunca mais falou com Alex nem com Nádia e guardou todas as recordações dentro de um caixote, que se encontrava actualmente na arrecadação, debaixo de muitos outros.
Na fase adulta, por não ter vida social, todos os dias de Lisa eram monotonamente iguais, e extremamente programados:
O despertador tocava às 5:30 da manhã; Lisa saia da cama às 6:00, ao toque do segundo despertador (que se encontrava protegido do gato no cimo do armário, por ser ainda recente); às 6:30 saia do banho; às 6:45, já vestida, tomava o pequeno-almoço; depois, dava de comer ao gato e saia de casa. Sentava-se na sua grande cadeira preta, em frente à secretária de pinho, exactamente às 8:30.
Durante doze horas, Lisa apenas saia do seu escritório para ir à casa-de-banho, pois era a única coisa que os seus assistentes não podiam fazer por ela e o chefe da empresa não permitia a construção de W.C. no meio do escritório. Tudo o resto, incluindo a ingestão de alimentos, Lisa fazia dentro do seu gigantesco cubículo, escondida pelas pilhas de livros e folhas.
Quando chegava a casa, perto das 9 horas, Lisa ligava para o restaurante take away italiano, para pedir a comida habitual: Spaghetti alla chitarra acompanhado com o pão Ciabatta, ou então Seppie con i piselli. Depois, enquanto esperava pela entrega da comida, sentava-se em frente ao portátil a responder a email’s enviados por futuros clientes da empresa. Cerca de quarenta minutos depois, a campainha da porta tocava e Lisa pegava na sua carteira, tirando o dinheiro certo para pagar ao senhor das entregas.
Em seguida, acompanhada pelo seu gato, ela ligava a televisão e arrastava-se para o sofá da sala. Com o comando remoto, Lisa escolhia o canal queria ver, parando sempre no canal dos filmes.
E assim ficava durante mais de três horas, com Joka no colo e o comando na mão direita. Quando as suas pálpebras se começavam a deixar cair, Lisa pegava no gato e levantava-se para se ir deitar.
Durante dois fins-de-semana por mês, o programa era diferente. Um era passado na companhia dos pais de Lisa, em casa dos mesmos. O outro era passado, maioritariamente, no psicólogo e no spa termal.
Nestes dias, a disposição de Lisa transformava-se e passava de rabugenta e séria para bem-humorada e feliz. Isto porque estes eram os únicos dias que não seguiam a rotina de sempre, a não ser as duas horas que passava no psicólogo.
Lisa odiava ir ao psicólogo. Aos seus olhos, ela estava óptima e não precisava da ajuda de um estranho careca para “se conhecer melhor”. Ela já se conhecia muito bem, aliás, tinha passado os vinte e oito anos da sua vida consigo mesma! Mesmo assim ela tinha de aparecer no mesmo gabinete branco uma vez por mês, deitar-se na mesma plataforma esponjosa escarlate, responder às perguntas de sempre e olhar para o mesmo tecto durante duas horas da sua vida. Isto porque o seu chefe queria, porque o seu chefe achava que ela precisava de se libertar do trabalho, porque ele era ‘O chefe’ e era ele quem mandava.
No trabalho ninguém falava com Lisa a não ser, claro, sobre assuntos respeitantes à empresa. Não por a odiarem ou algo do género, apenas porque já tinham tentado e nada tinham conseguido em retorno. No início, todos tentaram agradar Lisa: as mulheres fizeram uma festa de boas-vindas para Lisa e os homens meteram conversa com ela, e alguns até a seduziram. Mas como se pode deduzir facilmente, ela não lhes ofereceu a resposta que eles estavam à espera. Lisa não organizou nenhuma festa de “agradecimento” e também não mostrou muita intimidade com nenhum dos homens. As únicas pessoas com quem Lisa falava mais frequentemente eram os seus assistentes, e mesmo assim ela não sabia o nome de cada um. Apenas sabia que existia uma Madalena, um Jorge, um Sam, uma Josefa e uma Catarina, mas não sabia a quem atribuir estes nomes. Por isso, sempre que precisava de algo Lisa gritava um nome e esperava que alguém aparecesse.

Por todas estas razões, hoje o dia não seria diferente. Lisa levantou-se, vestiu-se, comeu e saiu de casa à hora programada. Escutou as mesmas músicas, ficou presa no tráfico de sempre, ouviu as buzinadelas que lhe eram bastante familiares, inspirou o mesmo fumo que a fazia tossir à tantos anos, assinou todos os papeis com a assinatura que mantinha desde os catorze anos, assistiu às idênticas reuniões que se seguiam umas atrás das outras, comeu o menu italiano que até o telefonista do restaurante já sabia de trás para a frente, viu o mesmo género de filmes melodramaticamente secantes, e para finalizar, foi-se deitar na extravagante cama sozinha.
Lisa sabia que seguir esta rotina e não ter ninguém com quem falar não era saudável, mas como costumava dizer: “Não posso deixar de seguir a minha rotina diária porque isso implicaria demitir-me, visto que é o horário do meu trabalho que provoca a dita rotina. Para além disso, não posso forçar alguém a casar comigo!”. Por muito que o Joka miasse enquanto Lisa dizia estas palavras em voz alta, ela nunca iria mudar a sua opinião. Ou talvez fosse apenas uma opinião temporária.
(fim do primeiro capitulo)